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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A dor e o prazer da avaliação

DEU UM BRANCO


Jose Ferreira


Durante os raros momentos de folga visual durante as aplicações de provas no Ensino Médio, foi possível vislumbrar pelas frestas da janela e da porta raios de luz e cenas rotineiras e aparentemente insignificantes, e com certo esforço contrapor os diferentes e muitas vezes extremos contidos no mesmo espaço dedicado a educação.
O dia de avaliação, com ênfase na área de ciências exatas, é considerado por alguns não poucos alunos, como um divisor de águas, uma verdadeira morte, mesmo sabendo que este momento avaliativo chegará, o sofrimento, até para aqueles que se sentem preparados, é companheiro fiel.
No momento do indesejado encontro multifacetado de reações: desarranjo estomacal, dor de cabeça, roer de unhas, choro e a busca enlouquecida na tentativa de decorar as fórmulas nos últimos minutos que antecedem a entrega do papel, que carrega em si o temor de ser devolvido como foi recebido, em branco, ou “respondido” sem sentido.
Apreensão, angústia, ansiedade, temor e tremor marcam veementemente o espaço de confinamento onde todos se postam para pintar bonito no papel o que vagueia em suas mentes; bem que em muitos casos o que campeia a imaginação dos adolescentes deve ser abolido por ser demasiado divertido e inadequado para a postura carrancuda empregada no avaliar.
O morder canetas, “pedir” corretivos, ajeitar cabelos, mudar constantemente de posição e o olhar perdido no vazio, como que em busca do cume do próprio eu, ou de uma luz divina que ilumine, como afirma “um outro”, revela que a aparente concentração é mesmo um momento de encontro com a silhueta do que deveria ter assimilado no enfadonho queimar de pestanas tão abominado pela geração tele-besteira e tão necessária à formação da própria identidade.
A espera do toque para poder se livrar do “pepino” é esperado com desejo voraz, quanto mais cedo soltar o ‘abacaxi’ melhor. O toque desempenha um papel redentor, pois possibilita o levantar, caminhar e sair; sair ao encontro dos amigos, encontrá-los nos corredores e comentar o que fez ou o que deixou de fazer. É o ápice do dia. Até mesmo a certeza do erro é mais compensadora do que a árdua labuta na busca do acerto; o desejo é de fuga, como se isso fosse possível.
Os poucos que resistem ao tentador prazer do calor do pátio e do corredor, e bravamente tentam com toda a atenção que possuem e as que podem pedir emprestado, juntar as partes como de um quebra-cabeça incompleto, resta à esperança, por ser a última que morre como expressão da racionalidade, de alcançar uma vitória futura, plantada no momento e regada com o esforço e dedicação, com o suor dos guerreiros do saber.
E lá fora?
Bem lá fora é possível vislumbrar em uma quadra vazia uma menina portando livros e um estojo cor de rosa, que ao perceber a cesta de basquete, coloca-se na linha de três pontos e arremessa confiante a sua bola imaginária revestida da condição de estojo. Sem sucesso o apanha e repete exaustivamente o lance, percebe que alguém a chama; ela com um gesto de paciência pede carinhosamente que espere, e como que no ato heróico e derradeiro, concentra-se profundamente, relativiza tudo ao seu redor; os olhares curiosos, a impaciência da professora e a ausência da bola, portando-se magnificamente, acaricia o estojo amigo e lança-o na certeza do acerto.
Após a conquista sofrida, sai radiante esvoaçando os cabelos lambidos pelo vento, cruza um corredor para em seguida, ser totalmente encoberta por árvores e telhas.
Em dois momentos diversos, manifesta-se a busca constante por atingir uma meta. No primeiro, recheada de obrigatoriedade, é dolorida e prolongada, configurando-se como uma verdadeira tortura o fato de obrigatoriamente ter que se enquadrar em um determinado estilo imposto por um grupo social que os torna inconsciente do seu papel cidadão e de sua força transformadora. A cobrança exacerbada tira o prazer do aprender e como dizia Epicuro, “onde não há prazer, há dor”.
Partindo do pressuposto que todos fomos feitos para felicidade, é lícito fugir daquilo que nos maltrata e machuca, é algo instintivo. A avaliação enquanto agressora recebe repúdio ao invés de satisfação e quanto mais próxima, mais sofrível, o contrário do sentimento da raposa em relação ao Pequeno Príncipe: “Se tu vens às duas horas, ao meio dia já estou a tua espera”.
A ânsia por aquilo que nos eleva torna o tempo maçante e enfadonho ao passo que, concretizando o desejado, ele foge desesperadamente, é o que difere o tempo psicológico do tempo cronológico.
No segundo momento, o prazer e a alegria são patentes fazendo com que o tempo que passa igual para todos não seja percebido.
O que nos leva a refletir sobre a dor e o prazer contidos nos horizontes perseguidos?
É de simples identificação o fato de que, quando a meta é nossa, os desafios e empecilhos são facilmente assimilados e recebe uma dedicação quase que devocional, por ser expressão da “minha” personalidade e a sua consumação aprofunda as relações intersubjetivas por ser uma condição “sine qua non” da formação integral do individuo.
Podemos concluir que só aprende quem quer e só se motiva quem deseja. O educador não é mágico nem milagreiro e sim um ser que partilha a sua especialidade com o desejo de engendrar sonhos nas mentes carcomidas pelo desejo de posse e de consumo, em detrimento da elevação da dignidade da pessoa humana tão desfigurada, empobrecida e subordinada as questões periféricas como cor, credo e interesses pessoais e consumismo exacerbado.